A Triagem Neonatal no Brasil ainda é deficiente, mas com nova lei em vigor, que visa oferecer o Teste do Pezinho Ampliado na rede pública de saúde, existem possibilidades reais de melhorar diagnósticos precoces de doenças raras
Reportagem do Trabalho de Conclusão de Curso
por Carolina Calixto
(Foto: Pedro França/Agência Senado)
Avida de milhares de crianças é salva todos os anos desde que o Ministério da Saúde implantou o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), em 2001. O Programa consiste em três testes: do Pezinho, da Orelhinha e do Olhinho. Com o objetivo de diagnosticar e tratar o quanto antes, o Teste do Pezinho é um exame que detecta doenças genéticas e infecciosas em recém-nascidos, que com um tratamento adequado e precoce, não chegam a desenvolver sequelas e vivem uma vida normal. Mas no Brasil, existe uma lacuna na informação dos tipos de testes existentes, como o Ampliado, que acaba prejudicando milhares de crianças.
A realização do exame nos recém-nascidos é importante, porque 75% dos casos de doenças raras se manifestam na infância, de acordo com a Associação Muitos Somos Raros. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2019 foram triados 2,2 milhões de recém-nascidos, do total de 2.812.030. Dos que realizaram o teste, 3,2 mil tinham alguma das doenças cobertas pelo SUS. “São pacientes que se tornariam totalmente dependentes do sistema de saúde, com sequelas e problemas neurológicos graves e evita-se muito disso com o diagnóstico precoce e tratamento adequado”, explica José Simon Camelo Júnior, médico especialista em Neonatologia e Doenças Metabólicas e professor da Universidade de São Paulo (USP).
José Simon Camelo Júnior é especialista em doenças raras metabólicas e atual diretor clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Foto: Marcelo Matusiak)
Oteste é oferecido na rede de saúde pública, que contempla apenas seis doenças, até 2021; e na particular, que oferece um leque maior, podendo analisar até 53. Essa diferença deixa um grande vácuo na triagem neonatal, pois o Teste do Pezinho ampliado é pouco informado para as famílias, fazendo com que muitas crianças sofram para ter um diagnóstico e que desenvolvam sérias sequelas.
“Quando a gente fala em políticas públicas, o Teste do Pezinho é extremamente importante para se começar a triar doenças raras, que precisam ter um acompanhamento constante. Então, ele é extremamente importante para a gente falar do cuidado precoce e de rastreamento de doenças”, explica Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, ONG que trabalha pela divulgação e ampliação do Teste do Pezinho.
Amira Awada é a vice-presidente do Instituto Vidas Raras, que foi fundado em 2001, e trabalha com doenças raras e a divulgação do Teste do Pezinho (Foto: Instituto Vidas Raras).
O Teste do Pezinho é chamado assim, pois é feito no pé do recém-nascido, uma parte do corpo humano que concentra bastante sangue. O exame é coletado pela retirada de gotinhas de sangue do calcanhar do bebê, colocadas em um papel filtro: o recém-nascido é segurado em pé, com a cabeça apoiada no ombro do profissional de saúde e os pés livres. É feito um furinho nas laterais do pé, para evitar atingir o osso do calcanhar, e assim conseguir gotinhas de sangue. O teste deve ser feito a partir de 48 horas do nascimento até o quinto dia de vida, a depender do estado da Federação, nas maternidades ou postos de saúde. Segundo o Ministério da Saúde, em 2020, eram 24.177 pontos estabelecidos em todo o Brasil.
Quando uma criança testa positivo, a família é contatada pelas secretarias de saúde ou pelos Serviço de Referência em Triagem Neonatal e exames confirmatórios podem ser feitos. Desse modo, a partir da confirmação da doença, os casos na rede pública são acompanhados por uma equipe multidisciplinar para tratamento, quando existente. Cabe aos pais escolher seguir na rede pública ou particular.
O Teste do Pezinho não machuca o recém-nascido e ajuda a salvar vidas (Foto: Cristine Rochol/PMPA).
As doenças triadas na rede pública da maioria dos estados, até 2021, são: Fenilcetonúria, Hipotireoidismo Congênito, Fibrose Cística, Doenças Falciforme e outras Hemoglobinopatias, Deficiência da Biotinidase e Hiperplasia Adrenal Congênita. (Esta reportagem inclui um Glossário sobre o significado destas doenças).
Segundo o Ministério da Saúde, anualmente são triados uma média de 2,4 milhões de recém-nascidos. Entre os anos de 2012 a 2017, 14.546.968 realizaram o Teste do Pezinho, sendo que 17.410 recém-nascidos foram diagnosticados com alguma doença. As principais doenças diagnosticadas são o hipotireoidismo congênito e a doença falciforme, juntas elas contemplam 77% dos casos. Até 2019, o estado do Paraná era considerado referência na realização do exame. Segundo dados da Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (FEPE), 166.835 crianças realizaram o Teste do Pezinho em 2020, do qual 89 foram positivas para uma das doenças triadas no exame básico. E as duas mais frequentes foram hipotireoidismo congênito, com 51 recém-nascidos; e a fibrose cística, com 12.
“O Teste do Pezinho no Brasil tem algumas fases, que diferem em alguns estados. Era para todos já estarem na fase 4, que é aquela que tria seis patologias. A gente passou por um período em que o teste, mesmo o básico, era deficiente. Então isso é muito sério”, destaca Amira Awada. Existem alguns estados que ainda não ofertam diagnóstico para todas as doenças: Pernambuco, com cinco doenças a serem testadas; e o Pará, com quatro.
Mas alguns estados ampliaram o total de doenças triadas, como Mato Grosso do Sul, com Toxoplasmose Congênita; Bahia e Rio Grande do Norte, com aminoacidopatias; e Alagoas, com Galactosemia, que triam sete doenças. Já o Distrito Federal ampliou o rastreio para mais de 50 doenças, com o chamado Teste do Pezinho ampliado.
Os estados e os municípios têm o poder de decidir ampliar as doenças triadas no Teste do Pezinho (arte: Carolina Calixto).
Em função desta variedade entre os estados, o cenário do Teste do Pezinho no país precisa ser olhado com atenção. O Ministério da Saúde divulgou que em 2019 a cobertura foi de 77,48%, considerando apenas os exames realizados na rede pública, enquanto o objetivo é o de atingir 100% de testes em recém-nascidos. Ao longo dos anos, alguns estados deixam de ofertar o teste por motivos de encerramento de contrato, como o Amapá em 2020 e o Tocantins em 2021, que ficou mais de seis meses sem realizar o teste, o que força os pais a irem até a rede particular realizar o exame ou não realizarem. Amira reforça que as famílias têm o direito de fazer o teste e que elas podem procurar a Secretaria de Saúde do estado para questionar a falta do teste: “Podem denunciar, fazer um boletim de ocorrência, podem ir ao Ministério Público. E podem procurar o Instituto Vidas Raras para que a gente oriente da melhor maneira”.
O Teste do Pezinho foi criado em 1961 pelos americanos Robert Guthrie e Ada Susi, a partir de pesquisas com a doença fenilcetonúria. Em 1963, o estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, foi o primeiro lugar a tornar obrigatório a realização deste teste em todos os recém-nascidos. Já no Brasil, o teste surgiu em 1975 com Benjamin Schmidt, que implantou o teste, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo, também para fenilcetonúria. Nos anos seguintes à implantação, não havia uma legislação federal sobre a realização do teste, assim dependia de cada estado se organizar na triagem neonatal.
Mas em 2001, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal, tornando obrigatório a realização do Teste do Pezinho em todo território nacional e ampliando o número de doenças triadas. Desse modo, a cobertura passou a ter várias etapas – busca ativa de pacientes suspeitos, confirmação, acompanhamento e tratamento adequado, além da elaboração de um banco de dados. As ações do PNTN são coordenadas entre o Ministério da Saúde, secretarias de Saúde dos estados, municípios, Distrito Federal e Distritos Sanitários Especiais Indígenas, para garantir universalização e controle.
(informações: Ministério da Saúde / arte: Carolina Calixto)
A implantação das doenças foi dividida em quatro fases e considera a estrutura e organização de cada estado. A primeira fase iniciou com duas doenças, a Fenilcetonúria e Hipotireoidismo Congênito; a segunda fase contempla a Anemia Falciforme e outras Hemoglobinopatias; enquanto a terceira fase realiza a triagem de Fibrose Cística; por fim, a quarta fase identifica a Hiperplasia Adrenal Congênita e a Deficiência de Biotinidase. Em 2014 todos os estados tinham capacidade de triar todas essas doenças, embora atualmente nem todos estejam ofertando o teste para as seis.
Para organizar e estabelecer quais doenças entram na triagem neonatal, o Ministério da Saúde segue os critérios dos pesquisadores James Wilson e o Gunnar Jungner, publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS): o histórico da doença deve ser bem conhecido; a possibilidade de diagnóstico antes do aparecimento de manifestações clínicas com teste adequado, que possa ser incorporado em todos os locais; alta incidência da doença na população; triagem com bom custo-benefício e efetividade; e ser aceito pela população. Desde 2014 não havia uma reforma no PNTN, mas em maio deste ano, o governo federal sancionou a Lei nº 14.154, que amplia o total de doenças triadas no Teste do Pezinho, de seis para 53.
“A ampliação é necessária porque até 2021 era um teste para apenas seis doenças, e temos outras doenças que estão sendo triadas tardiamente. A gente está falando de um futuro diferente, de pessoas que vão contribuir para a sociedade de uma maneira que vai “pagar” esse teste, esse investimento do governo nesse momento. Então, a ampliação é extremamente importante porque sem ela a gente está perdendo chances de salvar vidas”, defende a vice-presidente do Instituto Vidas Raras. Com a ampliação, as famílias terão uma maior chance de cuidar de uma vida sem sequelas.
Como a vida de Daniel Ferro Campos Marques, que foi transformada pela realização do Teste do Pezinho ampliado. Ele tem uma doença rara e metabólica chamada Déficit Primário de L-carnitina, que é uma deficiência do organismo em metabolizar o aminoácido carnitina, responsável pela geração de energia. A mãe de Daniel, Tarcila Ferro Campos Marques, conta que o descobrimento do exame foi por acaso: “Quando eu estava grávida de quatro meses, visitei uma amiga que tinha acabado de ter bebê, o marido dela estava lendo sobre o exame e explicou que era pago, mas que cobria mais doenças”, relembra. Ali, Tarcila decidiu que também iria pagar para o filho.
Daniel realizou o teste quando nasceu, na maternidade em São Paulo, e o resultado saiu após 10 dias. “Veio uma carta na minha casa dizendo que o exame precisava ser repetido e ele fez novamente, que acabou confirmando a doença”, explica Tarcila Marques. A família então pesquisou médicos que pudessem cuidar do filho e, com um mês de vida, Daniel iniciou o tratamento, que consiste na reposição da carnitina, através de um remédio manipulado tomado diariamente, pelo resto da vida.
Assim, com o tratamento precoce, aos oito anos, ele tem uma vida completamente normal: vai para a escola, viaja, brinca, sai com os amigos e não tem nenhuma sequela motora ou cognitiva. “Eu sempre falo que ter feito o Teste do Pezinho foi o maior presente na minha vida. Agradeço a Deus todo dia por ter conhecido, pois descobri por acaso”, agradece a mãe.
A realização do Teste do Pezinho Ampliado foi fundamental para a vida do Daniel hoje ser sem sequelas (foto: arquivo pessoal)
Em maio deste ano, o governo federal sancionou a lei que amplia o Teste do Pezinho, que agora vai realizar a triagem de 14 grupos de doenças. O Projeto de Lei (PL) foi de autoria do deputado federal Dagoberto Nogueira (PDT-MS), apresentado em março de 2021.
(Arte: Carolina Calixto)
A implementação do exame será de maneira escalonada em cinco fases. Na primeira fase serão adicionadas duas doenças, hiperfenilalaninemias (além da fenilcetonúria), doença genética e toxoplasmose congênita; na segunda fase serão mais quatro: galactosemias, aminoacidopatias, distúrbios do ciclo da ureia, distúrbios da beta oxidação dos ácidos graxos; na terceira fase são as doenças lisossômicas; na quarta fase, imunodeficiências primárias; e por fim, na quinta fase, a atrofia muscular espinhal (AME).
Etapas da ampliação do Teste do Pezinho (arte: Carolina Calixto)
Além disso, o Ministério da Saúde vai de forma contínua reavaliar as doenças e cabe aos profissionais de saúde informarem às famílias sobre as diferenças nos testes e reforçar sua importância. O prazo para a implantação da lei do Teste do Pezinho ampliado é de cinco anos, já que a lei entra em vigor a partir de um ano da sanção.
Diversas instituições e organizações se empenharam por vários anos para que o Teste do Pezinho fosse amplamente divulgado e ampliado na rede pública. Um dos maiores trabalhos realizados pelo Instituto Vidas Raras foi dedicado a essa ampliação: desde 2012 o pessoal do instituto tem realizado reuniões com o Ministério da Saúde para discutir como a ampliação poderia acontecer para atingir a todos os estados e ser eficiente. Em 2018, junto com Larissa Carvalho, jornalista e mãe do Théo, lançaram a campanha “Pezinho no Futuro”, que buscava assinaturas para uma petição online, além de divulgar a importância do exame de triagem: “A gente desenvolveu a campanha para fazer a coleta de assinaturas e fazer um Projeto de Lei de iniciativa popular, que pudesse pressionar o governo a fazer a ampliação do Teste do Pezinho. E nesse meio tempo, a gente foi trabalhando com vários deputados e senadores, com histórias que sensibilizaram muito”, compartilha Amira. Até maio de 2021, quando a ampliação foi aprovada pelo governo federal, foram mais de 620 mil assinaturas coletadas pelo Instituto.
Campanha de divulgação do Instituto Vidas Raras para a petição online da ampliação do Teste do Pezinho (Fotos: Instituto Vidas Raras/divulgação)
Outro trabalho foi realizado pelo Instituto Jô Clemente, a antiga APAE São Paulo, e a União Nacional dos Serviços de Referência em Triagem Neonatal (Unisert), através da campanha “Junho Lilás”. Por meio das redes sociais, eles buscam divulgar o teste do Pezinho e lutar pela ampliação. Em 2021 eles lançaram a 5ª edição, com a #OMeuPrimeiroGrandePasso.
Mas, embora a ampliação tenha sido conquistada, o trabalho ainda continua, como comenta Amira: “Ah, a gente conseguiu a lei, acabou nosso trabalho. Não! Ainda tem muita coisa que precisa ser arrumada, muitas denúncias que a gente precisa checar. E em paralelo, a gente continua com as campanhas de divulgação, para que as pessoas entendam o que é o Teste do Pezinho e fiquem atentos”, completa.
Até a aprovação da lei, o teste ampliado só estava disponível na rede particular e era pouco divulgado, o que deixava muitas famílias sem uma informação relevante. O cenário é de desconhecimento do teste ampliado e das doenças raras no interior do próprio meio médico. Os profissionais da saúde sabem pouco sobre doenças metabólicas e possuem dificuldade de analisar quando o teste é positivo. “Quando sai um resultado alterado eles não sabem o que fazer. Marcam consultas com a gente, porque a maior parte tem uma desinformação gigantesca a respeito do que é uma doença metabólica”, observa o médico José Simon.
“Um outro aspecto que torna difícil o diagnóstico seria a fragilidade de alguns pontos do ensino na área de saúde. Então, é aquilo: ah, essa doença eu não vou nem me importar em estudar, eu nunca vou ver isso. E, às vezes, uma faculdade de medicina nem tem esse tópico ao longo do seu curso”, explica Rui Pilotto, geneticista e professor da Universidade Federal do Paraná. Desse modo, além da ampliação da testagem para diagnóstico de doenças raras, é preciso existir também uma maior estruturação do Teste do Pezinho, com orientações sobre essas doenças e sobre o exame desde a base do sistema de saúde 一 do estudante de saúde até os profissionais no mercado de trabalho.
Rui Pilotto é referência na área de genética médica e o responsável pelo Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. (Foto: Solon Soares /Agência AL)
O foco na comunicação precisa chegar às famílias também. Amira Awada explica que é fundamental a conversa entre os profissionais e os pais: “Acho que falta divulgação adequada por parte do Ministério da Saúde e secretarias de saúde, numa campanha de conhecimento. Também acho que é uma falha das consultas de pré-natal, quando os médicos, às vezes, não explicam para a mãe o pós-parto; falta também a cultura de conversar com o pediatra do seu filho antes do nascimento”. Segundo o Ministério da Saúde, uma das funções do pré-natal, além de acompanhar a saúde da mãe e do bebê e o desenvolvimento da gravidez, é ser um momento de troca e humanização entre o profissional de saúde e os pais, com conversas e orientações. Mas, em alguns casos, essa conversa não tem sido eficiente já que muitas famílias não sabem do teste básico, muito menos do ampliado.
Um exemplo disso, é que muitas pessoas chegam a confundir o exame com o simples carimbo do pezinho do recém-nascido, feito na sala de parto, que serve para identificação e lembrança do momento, mas não significa uma confirmação da realização do Teste do Pezinho. Por isso, divulgar e reforçar a importância do exame de triagem neonatal para as famílias é essencial. “A gente percebeu durante esses anos de campanha e trabalho mais próximo, que muita gente não sabe nem o que é o Teste do Pezinho comum. 'Vocês estão falando de ampliação, mas eu nem sei o que é o básico”, conta Amira Awada sobre a reação de muitas pessoas. “Então a gente precisa fazer uma educação continuada e, por muito tempo, para que todos saibam”, ressalta. O trabalho do Instituto Vidas Raras tem sido de apoiar e ajudar as famílias de portadores de doenças raras, auxiliando nas lutas por direitos e sendo um local de acolhimento.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças raras são as que afetam 65 pessoas a cada 100 mil. No Brasil, estima-se cerca de 13 milhões de pessoas portadoras de alguma doença rara, segundo a pesquisa “Doenças Raras: a urgência do acesso à saúde”, publicada em 2018 pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
O espectro das doenças raras é bem amplo. “Existem diversos tipos de doenças raras, como os erros inatos do metabolismo; existem outras que não são propriamente metabólicas mas neurológicas, neurodegenerativas, inflamatórias e uma série de outras doenças que não necessariamente têm fundo genético e, que pela incidência, enquadra-se nesse grupo de doenças raras”, explica José Simon Camelo Jr.
O Teste do Pezinho contempla doenças de todos esses tipos, mas o maior grupo triado é o de erros inatos do metabolismo (EIM). Eles são doenças de origem genética, nas quais ocorre uma alteração no funcionamento do organismo: problemas no transporte de proteínas ou outras substâncias essenciais para o organismo, enzimas deficientes, excesso de produtos tóxicos. São exemplos de doenças de erros inatos do metabolismo encontradas no teste: fenilcetonúria e outras hiperfenilalaninemias; galactosemia; aminoacidopatias; distúrbios do ciclo da ureia; entre outras.
Os EIM equivalem a 10% de todas as doenças genéticas. A frequência varia de doença para doença, mas analisando os quinhentos distúrbios mais conhecidos, a proporção é de 1 para cada 5 mil recém-nascidos.
(Fonte: Dados do Fleury e Ciro Martinhago/ arte: Carolina Calixto)
Essas doenças são de origem autossômica recessiva. Isso quer dizer que ambos os pais são portadores do gene que causa a doença, mas que neles não se manifesta, como exemplifica José Simon: “Mais de 90% dos casos são autossômicos recessivos. Isso significa que a mãe tem um gene alterado e um normal. Mas é apenas portadora, não é doente. A mesma coisa o pai. Então, os dois têm chances de ter um filho completamente normal, dois filhos ou 50% de chance de ter portadores e 25% de chances de ter um filho doente. A cada gestação, há 25% de chances de vir uma doença”.
(arte: Carolina Calixto)
O aconselhamento genético é um processo que permite identificar a probabilidade de ocorrer uma doença genética ou malformações antes da gravidez. É uma técnica que permite orientar famílias acerca dos riscos, opções e consequências, a partir do histórico pessoal e familiar do casal e, em alguns casos, com testes genéticos. “Não tem como a gente fazer de toda a população. A primeira situação seria quando existe uma história familiar de doença genética ou de compatibilidade, como casais consanguíneos”, explica Rui Pilotto. Além disso, também é indicado quando há perda gestacional de repetição, infertilidade ou suspeita de câncer hereditário.
Os EIM podem se manifestar em qualquer etapa da vida, mas são mais frequentes do período neonatal aos dez anos de idade. E, por cada doença ter um amplo leque de manifestações clínicas, a triagem neonatal é importantíssima. “As doenças raras são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas. E variam, não só de doença para doença, mas também de pessoa para pessoa acometida pela mesma condição. Isso é uma particularidade das doenças genéticas”, informa Pilotti. A variedade de manifestação clínica, no entanto, não afasta totalmente a possibilidade de diagnóstico a partir dos sintomas, mas pode ser um processo demorado e levar ao desenvolvimento da doença.
Como são doenças genéticas, não existe cura e o tratamento deve ser avaliado dependendo da doença e das sequelas. “Boa parte dessas doenças metabólicas podem ser controladas de formas diferentes. Algumas são por controle dietético, outras podem se beneficiar bastante de transplantes. E tem outras que não tem tratamento nenhum”, lista José Simon.
Cada criança diagnosticada tem a chance de conseguir uma vida mais simples, para ela e sua família, a partir do controle da doença. E quando não há a chance do diagnóstico, muitas vezes, é necessária uma junção de tratamentos: dieta e fisioterapia, por exemplo.
Acompanhe cinco famílias que não tiveram a chance do diagnóstico precoce, o que resultou em uma grande mudança de vida para todos.